Ela já tinha feito de tudo: cortou o plano de telefone, parou de comprar carne, até deixou de tomar os remédios mais caros, trocando por genéricos que o postinho dava. Aos 76 anos, Dona Irene ainda dava um jeito de manter tudo limpo, cheiroso e com flores frescas no jarro da sala, mesmo com a pensão mal cobrindo o essencial.
O sofá — aquele velho companheiro de anos, onde ela viu novela com o marido até o último suspiro dele — agora precisava ir embora. Rachado, encardido, com as molas cansadas. Ela tirou uma foto meio tremida com o celular antigo e anunciou em um grupo do bairro: “Vende-se sofá por R$ 100. Retirar no local.”
Não queria caridade. Queria ajudar nas contas. Simples assim.
Na tarde combinada, apareceu um rapaz. Camiseta surrada, barba por fazer, olhar gentil. Mal entrou, parou no meio da sala e olhou tudo com atenção. A geladeira fazia um barulho ritmado e estranho, como se tossisse baixinho. A televisão era de tubo, daquelas que esquentam atrás. E Dona Irene, apesar do batom passado com cuidado, mostrava no olhar o cansaço de quem segura o mundo sozinha.
— A senhora que tá vendendo o sofá? — ele perguntou, quase com vergonha de confirmar.
— Sou sim. Tá meio velhinho, mas ainda aguenta uns bons anos — disse com um sorriso.
Ele pagou na hora. Nem tentou abaixar o preço. Chamou mais dois amigos e levaram o sofá com cuidado, quase como quem carrega uma lembrança viva. Dona Irene acenou da porta, tentando esconder a pontinha de tristeza. Afinal, aquele pedaço de pano e espuma tinha sido palco de risos, cochilos e memórias demais.
Uma semana se passou.
Na manhã de sexta-feira, ela escutou o som de uma caminhonete parando em frente à casa. Quando abriu a porta, achou que era engano. Mas era ele.
Desceu com calma, abriu a traseira do carro e começou a descarregar. Uma geladeira novinha, com plastiquinho nos cantos. Uma televisão moderna, fina e leve. E por último... o sofá.
Mas não o mesmo sofá que ela tinha vendido.
Agora, ele estava limpo, restaurado, com tecido novo, cheirando a lavanda. E embaixo do assento, uma frase escrita à mão:
“Seu carinho vale muito mais que 100 reais.”
Dona Irene ficou muda. A mão tremia. Os olhos, marejados.
— Mas... por quê? — ela conseguiu perguntar, com a voz falha.
Ele sorriu, com a serenidade de quem sabe que está fazendo algo certo.
— Porque alguém já fez isso por minha mãe. E porque tem pessoas que valem mais do que o mundo percebe.
Os vizinhos se juntaram em silêncio, atraídos pela cena. Teve quem chorasse, quem aplaudisse, quem apenas respirasse fundo e pensasse em como o mundo ainda guarda surpresas boas.
O rapaz não quis dizer o nome. Subiu na caminhonete e foi embora como chegou: em paz.
E Dona Irene, naquela noite, sentou-se no sofá com a nova TV ligada, geladeira nova zumbindo baixinho ao fundo... e sentiu algo que há muito não visitava sua sala: esperança.